REVOLUÇÕES ESTRUTURAIS: a aceleração do tempo e a redefinição do ser humano
Juliano Giassi Goularti
Doutor pelo Instituto de Economia da UNICAMP
A história da humanidade é marcada por revoluções estruturais e por momentos de ruptura que reconfiguram de forma e o modo como vivemos, trabalhamos e nos organizamos em sociedade. Cada uma dessas mudanças não apenas introduziu “novas tecnologias”, mas também redefiniu a própria essência do que significa ser humano em sua época. Do advento do bronze à ascensão da inteligência artificial, é possível traçar uma linha do tempo onde a duração de cada revolução se torna progressivamente mais curta, refletindo uma notável aceleração do tempo histórico que desafia nossa capacidade de adaptação.
Por milênios, a mudança foi um processo lento e gradual. A Revolução Agrícola, iniciada por volta de 10.000 a.C., é o primeiro e mais longo exemplo dessa dinâmica. Ela transformou caçadores-coletores nômades em agricultores, permitindo o surgimento dos primeiros assentamentos e também das primeiras civilizações. No entanto, a sua consolidação e difusão levaram milênios, um ritmo de transformação que hoje nos parece quase estático, onde gerações inteiras viviam e morriam sob as mesmas condições estruturais e sociais.
A mesma lentidão caracterizou as “revoluções tecnológicas” subsequentes, como a transição para a Idade do Bronze (c. 3.300 a.C.) e, posteriormente, para a Idade do Ferro (c. 1.200 a.C.). O domínio desses metais foi crucial para transformar o modo de vida das primeiras civilizações na região da Mesopotâmia, no entorno do Mediterrâneo. Entretanto, a substituição do bronze, um material raro e difícil de ser obtido, pelo ferro, mais abundante e acessível, como principal material para armas e ferramentas, foi um processo que se estendeu por séculos. Essa mudança alterou de maneira significativa a dinâmica das guerras, os métodos produtivos e as estruturas de poder.
Nesse contexto de mudanças graduais, a invenção da escrita representa uma das revoluções mais profundas da história humana. Surgida por volta de 3.300 a.C. na Mesopotâmia, ela alterou radicalmente a condição humana ao permitir o registro da memória e o acúmulo de conhecimento. A humanidade deixou de depender apenas da tradição oral para perpetuar o saber. Contudo, assim como outras revoluções de sua época, a escrita não se espalhou rapidamente. Era uma habilidade restrita a uma elite de escribas e sacerdotes, e somente com o advento do alfabeto fenício (c. 1.200 a.C.) é que ela começou a se tornar mais acessível e a se disseminar por outras culturas.
Esse padrão de transformações lentas marcaria boa parte da história antiga e clássica, mas o ritmo das mudanças começou a se acelerar a partir da Idade Média. A pólvora, surgida na China no século IX e depois difundida para o mundo islâmico e para a Europa, transformou radicalmente a natureza da guerra. Com o uso de canhões e armas de fogo, castelos tornaram-se vulneráveis. O uso da pólvora foi decisivo para a consolidação de impérios, como, por exemplo, a queda de Constantinopla, em 1453, quando o canhão Basilisco foi usado pelo exército otomano.
Mais tarde, no século XVI, o mundo assistiu a uma das transformações mais impactantes da história: as Grandes Navegações. Impulsionadas por avanços náuticos como a caravela e o astrolábio, potências europeias lançaram-se aos oceanos em busca de novas rotas comerciais e territórios. Esse processo deu origem ao que hoje reconhecemos como os “primórdios da globalização”, conectando continentes e criando uma economia-mundo interligada por novas rotas e trocas. Pela primeira vez, o destino de uma sociedade na Europa podia ser diretamente afetado por eventos na América ou na Ásia.
Esse ritmo, já significativamente mais ágil, alcançaria uma nova ordem de velocidade a partir do século XVIII, com o advento da Revolução Industrial. Diferente das transformações que se espalhavam em décadas ou séculos, a industrialização trouxe uma aceleração exponencial, encurtando o tempo e o espaço de forma dramática. Tecnologias como a ferrovia no século XIX, que encurtou as distâncias, e a eletricidade e o telégrafo que revolucionaram a comunicação, permitiram que as notícias viajassem mais rápido do que qualquer pessoa. Pela primeira vez, as sociedades foram forçadas a se adaptar a um tempo novo, ditado não mais pelos ciclos da natureza, mas pelo ritmo do relógio da fábrica. A vida cotidiana passou a ser medida em horas e minutos, inaugurando o mundo moderno.
Um século depois, intensificou essa velocidade a um nível até então inimaginável. A revolução dos automóveis e dos aviões mudou a dinâmica das cidades, as relações sociais e a mobilidade. Cidades se expandiram, pessoas passaram a percorrer distâncias maiores em menos tempo, e o mundo começou a se tornar perceptivelmente menor. No entanto, foi com o surgimento do computador que o ritmo das mudanças se tornou vertiginoso. O computador evoluiu rapidamente de uma máquina de cálculos complexos para um portal para a era da informação, e a internet se tornou onipresente em um espaço de tempo ainda mais curto, transformando a comunicação e o acesso ao conhecimento.
Agora, no século XXI, essa aceleração atinge seu ápice com a Inteligência Artificial (IA). Diferente das revoluções anteriores, onde as mudanças aconteciam ao longo de décadas e séculos, as inovações em IA ocorrem em meses, às vezes semanas. Cada avanço redefine possibilidades, reconfigura expectativas e derruba barreiras que pareciam intransponíveis. Essa velocidade quase incontrolável tem consequências profundas, não apenas no modo como produzimos e consumimos, mas também na forma como nos relacionamos, aprendemos e percebemos o mundo.
Por fim, enquanto as gerações passadas desfrutaram de períodos relativamente longos para absorver, refletir e se adaptar às mudanças, a nossa enfrenta um fluxo constante e avassalador de inovações e transformações que exigem ajustes rápidos, do dia para noite. Essa nova dinâmica acelera o ritmo da vida cotidiana que, por um lado, abre portas para um futuro repleto de possibilidades antes inimagináveis e, por outro, gera um sentimento de desorientação, ansiedade e insegurança.
Artigo escrito por Juliano Giassi Goularti
Doutor pelo Instituto de Economia da UNICAMP
Contato: jggoularti@gmail.com
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