quinta-feira, 6 de novembro de 2025

A luz e o tempo: como o céu nos revela o passado

A luz e o tempo: como o céu nos revela o passado 

Por: Juliano Giassi Goularti (1)
Doutor pelo Instituto de Economia da Unicamp 





Quando afirmamos que a luz de Proxima 
Centauri leva quatro anos e quatro meses para 
chegar até nós, estamos, na realidade, 
expressando algo muito mais complexo do que 
aparenta à primeira vista. Essa percepção de 
que a luz leva tempo para atravessar o espaço 
possui implicações tanto cósmicas quanto 
existenciais. Isso significa que, quando 
olhamos para o céu, nunca estamos vendo o 
presente. Só conseguimos ver o passado. Cada 
estrela, cada galáxia, cada ponto brilhante que 
pisca no céu noturno é um lembrete tardio de 
algo que já existiu. Se for possível afirmar isso, 
o Universo é um vasto repositório de luz antiga.






A estrela mais próxima do Sol, Proxima 
Centauri, encontra-se a uma distância de quatro 
anos e quatro meses anos-luz, como dito. Isso 
significa que, caso ela desaparecesse hoje, 
colapsasse, explodisse ou simplesmente 
deixasse de existir, só notaríamos sua falta em 
mais de quatro anos. Até esse momento, ainda 
estaríamos recebendo sua luz, sua imagem e 
sua presença no céu. O que observamos, 
portanto, não é o presente, mas o passado. 
Estamos rodeados por fótons, mensageiros do 
passado remoto que persistem em chegar aos 
nossos olhos.






O mesmo se aplica ao contrário. Se 
houver observadores em um planeta ao redor de 
Proxima Centauri, eles enxergam a Terra não 
em seu estado atual, mas como era há quatro 
anos e quatro meses. Possivelmente ainda 
consideram as luzes de cidades que já se 
transformaram, a atmosfera com uma 
composição diferente ou um mundo com 
pessoas que já não estão mais presentes. Para 
eles, somos também história. Somos memória 
radiante, uma representação ancestral projetada 
no espaço-tempo. E isso faz com que cada 
olhar para o céu funcione como um espelho 
invertido: o cosmos nos reflete o que fomos, e 
não o que somos. Essa defasagem temporal não 
é somente um aspecto da física. É um lembrete 
da natureza profunda da realidade. O tempo 
não é o mesmo em todos os lugares, e o 
presente, essa experiência tão íntima e fugaz, é 
apenas um ponto entre infinitos atrasos de luz. 
O agora é uma construção local. Fora da Terra, 
ele se desfaz. O que chamamos de presente 
universal é uma ilusão criada pela nossa 
necessidade de ordem. 







Carl Sagan costumava dizer que 
“explorar o Universo é uma forma de viajar no 
tempo”. Ao observar uma galáxia a 60 milhões 
de anos-luz, estamos vendo-a como era quando 
os dinossauros ainda caminhavam pela Terra. 
Olhar para o espaço é olhar para a história. 
Cada telescópio é uma máquina do tempo 
voltada para o passado. As câmeras do 
telescópio espacial James Webb, por exemplo, 
capturam a luz de estrelas que nasceram 
quando o Universo ainda era jovem, há mais de 
13 bilhões de anos. Aquela luz viajou por eras, 
atravessou o vácuo, escapou de tempestades de 
poeira cósmica, foi desviada pela gravidade de 
galáxias e pela curvatura do espaço-tempo e, 
finalmente, chegou até nós, frágeis seres que a 
recebem com assombro e a traduzem em 
ciência. 






Mas a beleza desse fenômeno vai além 
da astronomia. Há algo de profundamente 
humano em compreender que o que vemos é 
sempre passado. Nosso olhar é um arqueólogo 
do tempo. Cada raio de luz que toca nossos 
olhos traz consigo uma história, não apenas a 
história de uma estrela, mas também a nossa 
própria história, pois somos feitos da mesma matéria 
que emite essa luz. Somos poeira de 
estrelas que se observa refletida no espelho do 
infinito, ou talvez do finito. Vivemos em uma 
pequena esfera azul, orbitando uma estrela 
mediana na periferia de uma galáxia entre 
centenas de bilhões. E, ainda assim, 
conseguimos perceber a vastidão que nos cerca. 
Quando olhamos para o céu, não estamos 
apenas observando astros distantes; estamos 
testemunhando a grandeza do tempo, a lentidão 
da luz e a efemeridade da existência. Talvez, 
nesse instante, ao contemplarmos uma estrela já 
extinta, sejamos também observados por olhos 
que, no futuro, verão a Terra como uma 
lembrança luminosa de um mundo que foi.







O mensageiro do tempo é a luz. Não 
existe comunicação imediata no cosmos. A 
velocidade finita dos fótons media tudo o que 
existe. Essa restrição, determinada pela 
natureza, é igualmente o que possibilita a 
beleza da observação astronômica. As estrelas 
que já morreram ainda estão presentes, 
enviando seu último suspiro de energia, seu 
brilho atrasado. A morte cósmica é gradual, e o 
tempo da luz é sereno. Assim, o Universo é 
uma sequência de presenças ausentes. Estamos 
rodeados por espectros luminosos todas as 
noites quando observamos as constelações. É 
um paradoxo: o que morreu há muito tempo 
ainda nos traz luz. A metáfora se estende à vida humana. 
Também nós emitimos luz, não no sentido 
literal, mas simbólico. Nossas ações, palavras e 
gestos têm consequências que viajam pelo 
tempo e tocam pessoas que nem conhecemos. 
Tudo o que fazemos deixa rastros, ecos, sinais. 
Assim como a luz de uma estrela, a influência 
de um ser humano pode continuar a existir 
muito depois que ele desaparece. Em escalas 
diferentes, mas com a mesma essência, também 
nós somos mensageiros do tempo. Se 
aceitarmos essa visão, o ato de olhar para o céu 
se transforma em uma experiência filosófica. 
Cada ponto brilhante se torna uma lembrança 
viva de que o tempo é uma corrente que nunca 
cessa, e nós somos suas partículas 
momentâneas. Vivemos dentro do fluxo, mas 
raramente percebemos sua profundidade. 
Pensamos no passado e no futuro como 
direções distintas, quando, na verdade, ambos 
coexistem no espaço. O passado brilha sobre 
nós em forma de luz; o futuro, talvez, brilhe em 
algum outro ponto do Universo, aguardando 
seu momento de chegar. 





Se os "centaurinos" existirem, talvez 
eles também se questionem sobre isso. Talvez 
olhem para o céu e vejam o brilho azul de uma 
estrela distante, a que chamam “Sol”. Com 
instrumentos e curiosidade, talvez consigam 
observar um pequeno planeta azul orbitando 
esse corpo celeste. E talvez se questionem se 
existe vida lá. Mal imaginavam que, ao 
contemplarem a Terra, estariam vendo um 
passado que não existe mais. Possivelmente 
teriam testemunhado civilizações extintas, 
florestas desaparecidas ou oceanos que 
mudaram de forma. O mesmo se aplica a nós: 
observamos o cosmos em busca de sinais de 
vida, sem nos darmos conta de que o que 
vemos são ecos de uma época distante. Aliás, 
como disse Carl Sagan, “o cosmo é tudo o que 
é, ou foi, ou será.”





Essa reflexão nos leva a uma ideia 
inquietante: pode ser que já tenhamos morrido 
ao olharmos para a luz de um passado remoto, 
ou que os possíveis habitantes de Proxima 
Centauri já tenham morrido. Assim, a 
comunicação entre mundos é uma conversa que 
ocorre na lentidão da luz. A realidade cósmica 
é, inegavelmente, uma sequência de adiamentos 
e de presenças retardadas. Vivemos, de fato, 
entre o que já aconteceu e o que ainda está por 
vir, se é que podemos expressar dessa forma. E, 
mesmo assim, há algo reconfortante nisso. 
Porque, embora a luz demore, ela sempre 
chega. A mensagem é transmitida, mesmo que 
a distância seja imensa. O brilho de uma estrela 
continua mesmo após sua morte. E talvez esse 
seja o principal ensinamento do cosmos: a 
permanência através do tempo, a continuidade 
da existência para além da presença física. 






Ao olharmos para o céu estrelado à 
noite, sem percebermos, estamos envolvidos 
em uma conversa milenar entre o ser e o tempo. 
Cada ponto luminoso representa uma história, e 
cada história serve como um lembrete da nossa 
própria brevidade. O céu é tanto um espetáculo 
visual quanto um espelho. E é nesse reflexo que 
encontramos, de forma paradoxal, um propósito 
para a vida: entender que somos transitórios, 
mas que deixamos marcas; que somos 
limitados, mas que irradiamos luz. 





Desta forma, recordar o passado 
também é uma maneira de resistir ao 
esquecimento. Estrelas extintas ainda brilham. 
E quem sabe, um dia, quando a luz da Terra 
alcançar outros olhos, alguém, em algum lugar, 
ainda nos enxergará como éramos: vivos, 
curiosos e repletos de perguntas, observando o 
mesmo céu e buscando compreender o sentido 
da existência. Mesmo que uma estrela morra, 
sua luz continua. Mesmo que um mundo acabe, 
sua lembrança segue viajando. 







(1) O texto expressa minha curiosidade/inquietações 
sobre os mistérios da formação do Universo e o enigma 
do tempo, o ensaio tem como base as 
seguintes obras: A Dança do Universo (1997); O 
despertar do Universo consciente: um manifesto para o 
futuro da humanidade (2024), ambos do físico e 
astrônomo Marcelo Gleiser. Também inclui Uma breve 
história do tempo (1988) de Stephen Hawking, O 
mundo de Sofia (1991) de Jostein Gaarder, O livro de 
ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis (1855) 
de Thomas Bulfinch, O Universo escuro: De Ptolomeu 
às ondas gravitacionais (2025) de Larissa Santos, 
Cosmos (1980) de Carl Sagan, Tempo (2021) de Guido 
Tonelli e A ordem do tempo de Carlo Rovelli (2018). 

Por Juliano Giassi Goularti

Doutor pelo Instituto de Economia da UNICAMP

Contato: jggoularti@gmail.com 



Créditos da imagem: https://pixabay.com/pt/ 


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