A luz e o tempo: como o céu nos revela o passado
Por: Juliano Giassi Goularti (1)
Doutor pelo Instituto de Economia da Unicamp
Quando afirmamos que a luz de Proxima
Centauri leva quatro anos e quatro meses para
chegar até nós, estamos, na realidade,
expressando algo muito mais complexo do que
aparenta à primeira vista. Essa percepção de
que a luz leva tempo para atravessar o espaço
possui implicações tanto cósmicas quanto
existenciais. Isso significa que, quando
olhamos para o céu, nunca estamos vendo o
presente. Só conseguimos ver o passado. Cada
estrela, cada galáxia, cada ponto brilhante que
pisca no céu noturno é um lembrete tardio de
algo que já existiu. Se for possível afirmar isso,
o Universo é um vasto repositório de luz antiga.
A estrela mais próxima do Sol, Proxima
Centauri, encontra-se a uma distância de quatro
anos e quatro meses anos-luz, como dito. Isso
significa que, caso ela desaparecesse hoje,
colapsasse, explodisse ou simplesmente
deixasse de existir, só notaríamos sua falta em
mais de quatro anos. Até esse momento, ainda
estaríamos recebendo sua luz, sua imagem e
sua presença no céu. O que observamos,
portanto, não é o presente, mas o passado.
Estamos rodeados por fótons, mensageiros do
passado remoto que persistem em chegar aos
nossos olhos.
O mesmo se aplica ao contrário. Se
houver observadores em um planeta ao redor de
Proxima Centauri, eles enxergam a Terra não
em seu estado atual, mas como era há quatro
anos e quatro meses. Possivelmente ainda
consideram as luzes de cidades que já se
transformaram, a atmosfera com uma
composição diferente ou um mundo com
pessoas que já não estão mais presentes. Para
eles, somos também história. Somos memória
radiante, uma representação ancestral projetada
no espaço-tempo. E isso faz com que cada
olhar para o céu funcione como um espelho
invertido: o cosmos nos reflete o que fomos, e
não o que somos. Essa defasagem temporal não
é somente um aspecto da física. É um lembrete
da natureza profunda da realidade. O tempo
não é o mesmo em todos os lugares, e o
presente, essa experiência tão íntima e fugaz, é
apenas um ponto entre infinitos atrasos de luz.
O agora é uma construção local. Fora da Terra,
ele se desfaz. O que chamamos de presente
universal é uma ilusão criada pela nossa
necessidade de ordem.
Carl Sagan costumava dizer que
“explorar o Universo é uma forma de viajar no
tempo”. Ao observar uma galáxia a 60 milhões
de anos-luz, estamos vendo-a como era quando
os dinossauros ainda caminhavam pela Terra.
Olhar para o espaço é olhar para a história.
Cada telescópio é uma máquina do tempo
voltada para o passado. As câmeras do
telescópio espacial James Webb, por exemplo,
capturam a luz de estrelas que nasceram
quando o Universo ainda era jovem, há mais de
13 bilhões de anos. Aquela luz viajou por eras,
atravessou o vácuo, escapou de tempestades de
poeira cósmica, foi desviada pela gravidade de
galáxias e pela curvatura do espaço-tempo e,
finalmente, chegou até nós, frágeis seres que a
recebem com assombro e a traduzem em
ciência.
Mas a beleza desse fenômeno vai além
da astronomia. Há algo de profundamente
humano em compreender que o que vemos é
sempre passado. Nosso olhar é um arqueólogo
do tempo. Cada raio de luz que toca nossos
olhos traz consigo uma história, não apenas a
história de uma estrela, mas também a nossa
própria história, pois somos feitos da mesma matéria
que emite essa luz. Somos poeira de
estrelas que se observa refletida no espelho do
infinito, ou talvez do finito. Vivemos em uma
pequena esfera azul, orbitando uma estrela
mediana na periferia de uma galáxia entre
centenas de bilhões. E, ainda assim,
conseguimos perceber a vastidão que nos cerca.
Quando olhamos para o céu, não estamos
apenas observando astros distantes; estamos
testemunhando a grandeza do tempo, a lentidão
da luz e a efemeridade da existência. Talvez,
nesse instante, ao contemplarmos uma estrela já
extinta, sejamos também observados por olhos
que, no futuro, verão a Terra como uma
lembrança luminosa de um mundo que foi.
O mensageiro do tempo é a luz. Não
existe comunicação imediata no cosmos. A
velocidade finita dos fótons media tudo o que
existe. Essa restrição, determinada pela
natureza, é igualmente o que possibilita a
beleza da observação astronômica. As estrelas
que já morreram ainda estão presentes,
enviando seu último suspiro de energia, seu
brilho atrasado. A morte cósmica é gradual, e o
tempo da luz é sereno. Assim, o Universo é
uma sequência de presenças ausentes. Estamos
rodeados por espectros luminosos todas as
noites quando observamos as constelações. É
um paradoxo: o que morreu há muito tempo
ainda nos traz luz. A metáfora se estende à vida humana.
Também nós emitimos luz, não no sentido
literal, mas simbólico. Nossas ações, palavras e
gestos têm consequências que viajam pelo
tempo e tocam pessoas que nem conhecemos.
Tudo o que fazemos deixa rastros, ecos, sinais.
Assim como a luz de uma estrela, a influência
de um ser humano pode continuar a existir
muito depois que ele desaparece. Em escalas
diferentes, mas com a mesma essência, também
nós somos mensageiros do tempo. Se
aceitarmos essa visão, o ato de olhar para o céu
se transforma em uma experiência filosófica.
Cada ponto brilhante se torna uma lembrança
viva de que o tempo é uma corrente que nunca
cessa, e nós somos suas partículas
momentâneas. Vivemos dentro do fluxo, mas
raramente percebemos sua profundidade.
Pensamos no passado e no futuro como
direções distintas, quando, na verdade, ambos
coexistem no espaço. O passado brilha sobre
nós em forma de luz; o futuro, talvez, brilhe em
algum outro ponto do Universo, aguardando
seu momento de chegar.
Se os "centaurinos" existirem, talvez
eles também se questionem sobre isso. Talvez
olhem para o céu e vejam o brilho azul de uma
estrela distante, a que chamam “Sol”. Com
instrumentos e curiosidade, talvez consigam
observar um pequeno planeta azul orbitando
esse corpo celeste. E talvez se questionem se
existe vida lá. Mal imaginavam que, ao
contemplarem a Terra, estariam vendo um
passado que não existe mais. Possivelmente
teriam testemunhado civilizações extintas,
florestas desaparecidas ou oceanos que
mudaram de forma. O mesmo se aplica a nós:
observamos o cosmos em busca de sinais de
vida, sem nos darmos conta de que o que
vemos são ecos de uma época distante. Aliás,
como disse Carl Sagan, “o cosmo é tudo o que
é, ou foi, ou será.”
Essa reflexão nos leva a uma ideia
inquietante: pode ser que já tenhamos morrido
ao olharmos para a luz de um passado remoto,
ou que os possíveis habitantes de Proxima
Centauri já tenham morrido. Assim, a
comunicação entre mundos é uma conversa que
ocorre na lentidão da luz. A realidade cósmica
é, inegavelmente, uma sequência de adiamentos
e de presenças retardadas. Vivemos, de fato,
entre o que já aconteceu e o que ainda está por
vir, se é que podemos expressar dessa forma. E,
mesmo assim, há algo reconfortante nisso.
Porque, embora a luz demore, ela sempre
chega. A mensagem é transmitida, mesmo que
a distância seja imensa. O brilho de uma estrela
continua mesmo após sua morte. E talvez esse
seja o principal ensinamento do cosmos: a
permanência através do tempo, a continuidade
da existência para além da presença física.
Ao olharmos para o céu estrelado à
noite, sem percebermos, estamos envolvidos
em uma conversa milenar entre o ser e o tempo.
Cada ponto luminoso representa uma história, e
cada história serve como um lembrete da nossa
própria brevidade. O céu é tanto um espetáculo
visual quanto um espelho. E é nesse reflexo que
encontramos, de forma paradoxal, um propósito
para a vida: entender que somos transitórios,
mas que deixamos marcas; que somos
limitados, mas que irradiamos luz.
Desta forma, recordar o passado
também é uma maneira de resistir ao
esquecimento. Estrelas extintas ainda brilham.
E quem sabe, um dia, quando a luz da Terra
alcançar outros olhos, alguém, em algum lugar,
ainda nos enxergará como éramos: vivos,
curiosos e repletos de perguntas, observando o
mesmo céu e buscando compreender o sentido
da existência. Mesmo que uma estrela morra,
sua luz continua. Mesmo que um mundo acabe,
sua lembrança segue viajando.
(1) O texto expressa minha curiosidade/inquietações
sobre os mistérios da formação do Universo e o enigma
do tempo, o ensaio tem como base as
seguintes obras: A Dança do Universo (1997); O
despertar do Universo consciente: um manifesto para o
futuro da humanidade (2024), ambos do físico e
astrônomo Marcelo Gleiser. Também inclui Uma breve
história do tempo (1988) de Stephen Hawking, O
mundo de Sofia (1991) de Jostein Gaarder, O livro de
ouro da mitologia: histórias de deuses e heróis (1855)
de Thomas Bulfinch, O Universo escuro: De Ptolomeu
às ondas gravitacionais (2025) de Larissa Santos,
Cosmos (1980) de Carl Sagan, Tempo (2021) de Guido
Tonelli e A ordem do tempo de Carlo Rovelli (2018).
Por Juliano Giassi Goularti
Doutor pelo Instituto de Economia da UNICAMP
Contato: jggoularti@gmail.com
Créditos da imagem: https://pixabay.com/pt/
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