quinta-feira, 25 de dezembro de 2025

Ansiedade, Tristeza Profunda e Dor: Frases Que Pioram, e Como Reescrever a Cena do Jeito Certo

Frases que pioram ansiedade, depressão e dor: o que dizer (e como escrever com verossimilhança)

Algumas frases “bem-intencionadas” viram crueldade quando alguém vive ansiedade, depressão ou dores, seja na vida real ou em narrativas. Veja o que evitar, o que dizer no lugar e como transformar isso em cenas verossímeis na escrita.



Quando uma frase vira desamparo com verniz de sabedoria

Dias atrás, li um original. A protagonista que se contorcia com dor teve que ouvir: “Lembre-se, a dor está dentro de você”. O coprotagonista quis dar um ar de sabedoria, místico, espiritual, transcendental ou sei lá o quê... e só conseguiu falta de presença, total desconexão. Em vez de acolher, essa frase empurrou a personagem para um lugar ainda mais solitário: o de “culpada” pela própria experiência. 

Em saúde e em narrativa, vale uma chave simples: dor não é debate, é um fenômeno que pede avaliação e tratamento. A IASP (International Association for the Study of Pain), referência internacional, define dor como uma experiência sensorial e emocional desagradável associada, ou semelhante àquela associada, a dano tecidual real ou à ameaça de dano. Isso explica por que a dor pode ser um alarme diante de risco imediato e, em alguns casos, persistir mesmo quando a lesão já cicatrizou, exigindo abordagem médica adequada.

Ou seja, “tem componente emocional” ou “é só psicológico”, além de clichê, é desumano. 

E aqui entra o ponto que muitas listas sobre ansiedade não abarcam por completo: ansiedade, depressão e dores (inclusive persistentes) costumam se enroscar na mesma corda. Quando alguém está fragilizado, uma sentença rápida pode virar gasolina em fogueira.


As frases que machucam, por que machucam, e o que dizer no lugar

Frases que minimizam (parecem leves, batem pesado)

Exemplos:

  • “Pense em outra coisa.”

  • “Você não tem força de vontade, se entrega fácil.”

  • “Não é tão grave assim.”

Por que pioram: elas desautorizam a experiência, como se o outro estivesse errado ao sentir o que sente. Em primeiros cuidados psicológicos, a orientação é evitar minimizar o sofrimento, e evitar conselhos rápidos ou frases prontas. 

Alternativas úteis:

  • “Eu acredito em você. Quer me dizer como está hoje?”

  • “O que piora, o que alivia um pouco?”

  • “Você quer companhia, silêncio, ou ajuda prática?”


Frases que viram sermão (e fabricam culpa)

Exemplos:

  • “Você precisa ser forte.”

  • “Isso é falta de fé.”

  • “Pense positivo.”

Por que pioram: tentam corrigir a emoção do outro, como se ele estivesse cometendo um erro moral. Em contextos de crise, recomenda-se não inventar garantias e não substituir escuta por discurso. 

Alternativas úteis:

  • “Eu não tenho uma solução pronta, mas posso ficar com você.”

  • “Quer que eu te ajude a organizar os próximos passos, um por vez?”


Frases “profundas” que parecem cura, mas soam como abandono

Exemplos:

  • “A dor está dentro de você.”

  • “Você atrai isso.”

  • “É só mudar a mentalidade.”

Por que pioram: deslocam a conversa do cuidado para a acusação disfarçada. Quem sofre sai do lugar de pessoa e vira “projeto de autoajuste”.

Alternativas úteis:

  • “Isso te pegou forte hoje. Quer que eu fique por perto?”

  • “Você prefere que eu pergunte menos e faça mais (água, comida, farmácia, carona)?”


Outras condições em que frases prontas costumam ser especialmente cruéis

Não é só ansiedade. A mesma imprudência verbal aparece quando alguém fala de:

  • depressão, PAS, luto, burnout, síndrome do pânico, TEPT

  • dor crônica, enxaqueca, fibromialgia, artrite, neuropatias, lombalgia, endometriose, aborto espontâneo

  • pós-operatório, doenças autoimunes, efeitos colaterais de medicações, reabilitação

O erro se repete: reduzir uma realidade complexa a um slogan. Dor, pela própria definição, envolve dimensão sensitiva e emocional, isso não autoriza ninguém a transformar o tema em sentença moral. 


Para quem chegou agora e quer aprender a não dizer/escrever absurdos

Um mini mapa de orientação (sem teatro de empatia)

  1. Troque explicações por perguntas.

  2. Troque “conselho” por presença.

  3. Se não souber, diga isso com honestidade: “não sei o que dizer, mas estou aqui”.

  4. Evite garantias falsas (“amanhã melhora”, “vai dar tudo certo”). 

  5. Ofereça apoio concreto, com opções simples.

  6. Respeite o tempo da pessoa, sem interrogatório – costumo muito ver esse "interrogatório sem noção", não apenas em livros, mas em filmes também. 



Para escritores/as: verossimilhança nasce quando o texto mostra intenção, impacto e reparo

A realidade é cheia de falas infelizes. Um personagem pode, sim, dizer “a dor está dentro de você”. Isso é plausível. O que dá densidade literária (e ética narrativa) é o texto não tratar aquilo como “verdade final”.


Parâmetros para construir uma cena verossímil

  1. Intenção de quem fala (quer ajudar, quer encerrar assunto, quer parecer sábio, está desconfortável).

  2. Impacto imediato no corpo do outro (respiração, olhar, postura, irritação, retraimento).

  3. Relação entre os dois (intimidade, hierarquia, confiança, histórico).

  4. Reparo dramático (alguém intervém, ou o próprio falante percebe e corrige).

  5. Consequência (aproximação, ruptura, pedido de desculpas, aprendizado, silêncio tenso).

Sugestão de leitura sobre Verossimilhança aqui.


Exemplo de microcena com reparo (sem humilhação)

Pessoa A: “Lembre-se, a dor está dentro de você.”
Pessoa B: não discute, só fica menor na cadeira, como quem procura um escudo protetor no ar.
Pessoa C: “Eu sei que você quis ajudar, mas isso pode soar como culpa. Melhor perguntar o que ela precisa agora.”
Pessoa A: “Você tem razão. Desculpa. Quer que eu fique aqui com você, ou prefere que eu resolva algo prático?”


Exercícios de escrita criativa (com exemplos)

Exercício 1: a mesma cena em três versões

Objetivo: treinar nuance, sem virar palestra.

Versão 1 (ferida):
“Isso é psicológico, você precisa mudar a mente.”

Versão 2 (reparo por terceiro):
“Talvez não seja a melhor abordagem. Antes de explicar, pergunta como a pessoa está.”

Versão 3 (reparo pelo próprio falante):
“Eu falei mal. Me diz o que você precisa agora, de verdade.”


Exercício 2: pense antes de "aconselhar"

Regra: nenhum personagem pode dar conselho inútil, aliás, pode, desde que lá na frente seja reparado.  

Perguntas honestas e ofertas concretas oferecem mais chão.

Exemplo:
“Você quer companhia, quer ficar só, ou quer que eu te ajude com algo importante do seu dia a dia?”
“Quer que eu marque consulta, ou quer apenas que eu fique aqui e a gente respire devagar?”


Exercício 3: subtexto do “conselheiro”

Pegue a frase ruim e escreva o subtexto (o que a pessoa está tentando encobrir). Depois reescreva a cena mostrando isso por gesto.

Frase: “A dor está dentro de você.”
Subtexto possível: “Eu me sinto impotente, isso me assusta, eu quero que pare.”
Reescrita: o personagem organiza objetos, evita olhar, fala depressa, tenta encerrar o assunto.


Exercício 4: termômetro de realidade (3 detalhes)

Inclua 1 detalhe físico, 1 detalhe do ambiente, 1 detalhe de tempo, e só então deixe o diálogo acontecer.

Exemplo:
Detalhe físico: a dor aumenta quando ela vira o pescoço.
Ambiente: o ventilador vibra como motor cansado.
Tempo: 2h17, a casa tem luz demais para quem queria dormir.
Agora escreva a conversa.


Pesquisa e responsabilidade: converse com profissionais para escrever melhor (e com mais segurança)

Se você vai narrar ansiedade, depressão, dor crônica ou qualquer condição de saúde, trate isso como parte do seu trabalho de apuração. Para ganhar verossimilhança e evitar caricaturas, vale conversar com profissionais da área médica e de saúde (médicos, psicólogos, fisioterapeutas, terapeutas ocupacionais, enfermeiros, especialistas em dor), além de ler materiais de orientação confiáveis. Em primeiros cuidados psicológicos, uma diretriz básica é simples e valiosa, tanto para a vida quanto para a escrita: diga apenas o que você sabe, não invente informações, não ofereça falsas garantias.

Isso também melhora o texto literariamente: quando você compreende limites, linguagem e contexto clínico, você evita diálogos “de internet” e cria cenas que respiram verdade.




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